sábado, 16 de novembro de 2013

Santos: os 50 anos da conquista do bi-mundial


No dia 16 de novembro de 1963, o Santos bateu o Milan por 1 a 0 e tornou-se bicampeão mundial. O Goal falou com exclusividade com personagens de ambos os lados deste jogo


Por Tauan Ambrosio (@ambrosiotauan)

Há exatos 50 anos o Santos se tornava o primeiro clube bicampeão mundial. O título conquistado sobre o Milan, após três partidas épicas, até hoje é motivo de muito orgulho e alguma controvérsia. Mesmo sem contar com Pelé, que se lesionou após a derrota no primeiro compromisso contra o time italiano, os santistas se superaram em campo e conseguiram levar a taça para a Vila Belmiro. Para relembrar este histórico episódio, o Goal entrevistou grandes nomes daqueles dois times: o santista José Macia, o Pepe, e o atacante Amarildo, que na época defendia as cores do Milan.


O primeiro jogo: derrota santista e lesão de Pelé


O mundo era bem diferente naquela época, e a comunicação tinha muito mais fronteiras do que atualmente. No entanto, Pepe diz que, apesar de saberem relativamente pouco sobre o adversário, as excursões feitas pelo Santos ajudavam a aumentar o conhecimento em relação aos clubes europeus.


“Sabíamos muito pouco (sobre o Milan), mas a partir de 1958, após o Brasil ser campeão mundial, nós sempre íamos jogar na Europa. Jogávamos contra o Milan, Real Madrid, Internazionale. Tínhamos uma base boa, assim como eles conheciam o Santos”, diz o ex-camisa 11.


Destaque na conquista da Copa do Mundo de 1962 com o Brasil, Amarildo foi contratado pelo Milan no ano seguinte e concorda com a avaliação do ponta santista: “O Santos, junto com o Botafogo, já era conhecido no mundo todo. Os dois viajavam duas ou três vezes por ano para a Europa. Os italianos já conheciam mesmo. Eram jogadores de seleção. Eram perguntas pouco feitas (pelos jogadores do Milan). Sabíamos que enfrentaríamos um grande time, um dos melhores da história.”










Gianni Rivera e Pelé lado a lado antes do primeiro jogo entre Santos e Milan, no San Siro, em 1963



A partida, disputada no San Siro, em Milão, no dia 16 de outubro de 1963, terminou com vitória dos rossoneros por 4 a 2. Trapattoni, Amarildo (2) e Mora marcaram os gols do time da casa e Pelé descontou duas vezes para o Peixe. Além da derrota, o Santos voltou da viagem ciente de que dificilmente contaria com o seu camisa 10, além de Zito e Calvet, no jogo decisivo que seria disputado no dia 14 de novembro, no Maracanã.

Apesar dos grandes desfalques, Amarildo garante que os italianos não ficaram mais confiantes ao saberem que Rei do Futebol não atuaria no jogo seguinte. No entanto, a imprensa brasileira noticiava um clima bem otimista da delegação do Milan: “Já havíamos vencido eles por 4 a 2 no primeiro jogo com Pelé e os demais em campo. Com Pelé a qualidade subia, é lógico, mas o Santos era um grande time. Eram muitos jogadores bons.”


A segunda partida: uma virada histórica na chuva










Pepe foi o grande destaque do Santos no jogo de ida

O encontro decisivo aconteceu no Maracanã, que naquela época era a casa do Santos quando havia uma grande demanda de público. Apesar do jogo ser no Rio de Janeiro, o estádio ficou lotado, com mais de 130 mil pessoas que, atônitos, viram o Milan terminar o primeiro tempo vencendo por 2 a 0, gols do ítalo-brasileiro Mazzola e de Mora.

“O Milan era forte e acredito até mesmo que era superior, levando-se em conta os nossos desfalques. Estávamos sendo superados pelo Milan. Eles jogavam fechadinhos e tinham grandes jogadores na frente, como o Amarildo e o Mazzola”, relata Pepe, que lembra que a dificuldade era tamanha, que o técnico do Santos parecia sem palavras no intervalo: “O Lula falou conosco no vestiário, mas não chegou a dar muitas instruções.”


Parecia que o Santos precisaria de um milagre para não perder aquele título, e o sinal de que as coisas começariam a mudar veio dos céus, com uma chuva classificada de maneiras diferentes de acordo com as camisas. O campo ficou mais pesado e favoreceu os fortes chutes de Pepe, o “Canhão da Vila”.


“Caía uma forte chuva, uma chuva divina. Então começamos a arriscar mais chutes. Viramos o jogo em 15 minutos. Aproveitamos muito o tempo e a chuva”, diz o santista, autor de dois gols – o que começou e, depois, fechou a vitória dos brasileiros. Almir Pernambuquinho e Lima também balançaram as redes naquele 4 a 2.










Amarildo era um dos grandes destaques do Milan em 1963

Amarildo tem um ponto de vista diferente sobre a chuva que caiu no Rio de Janeiro naquela noite de 14 de novembro: “O que dificultou foi a chuva, uma maldita chuva. Foi o nosso maior inimigo. No intervalo, quando vencíamos por 2 a 0, eu tinha falado que deveríamos jogar diferente em relação ao primeiro tempo, pois o campo estaria mais pesado. Deveríamos apostar nos lançamentos, em nossa velocidade. Mas foi o Santos que aproveitou este tipo de jogo, levantando bolas e sofrendo muitas faltas. Fomos ingênuos. O Pepe tinha um chute muito forte e foi determinante para eles neste jogo.”

E aquela noite realmente foi especial para o ponta-esquerda. Era aniversário de seu pai, e Pepe fez questão de ligar para casa e dedicar seus gols para o Sr. Macia. O título, no entanto, ainda não estava decidido. Como o saldo de gols estava empatado, havia necessidade de um jogo-desempate, marcado para dois dias depois no próprio Maracanã. Para Amarildo, a direção do clube italiano errou ao não pedir para a decisão ser realizada em um campo neutro.


“Não sei por que (os dirigentes do Milan) não apelaram para a Fifa. Devia ser igualdade em tudo. Em um país neutro, em um campo neutro. Jogamos na ‘jaula do leão’.”


O ato final: uma batalha no Maracanã


Com um Maracanã cheio, embora com um pouco menos gente do que na partida anterior, Santos e Milan entraram em campo no dia 16 de novembro com uma certeza: naquela noite sairia o campeão. O juiz era o mesmo do confronto anterior, o argentino Juan Regis Brozzi, que marcou pênalti de Maldini em Almir Pernambuquinho, o substituto de Pelé, na metade final do primeiro tempo. Inconformado com a polêmica marcação, o defensor italiano bradou contra o árbitro e foi expulso.










Dalmo bate o pênalti que garantiu ao Santos o bi-mundial. Balzarini acertou o canto, mas não impediu o tento



“O juiz foi muito mal. O pênalti não existiu e ele ainda expulsou o Maldini, nosso capitão”, diz Amarildo. Mas não adiantava mais reclamar. Sem Pelé, Pepe seria encarregado da cobrança, mas o lateral-esquerdo Dalmo estava confiante e pediu para bater.

“Eu senti muita força vindo dele”, lembra Pepe. O camisa 3 bateu no canto esquerdo do goleiro Balzarini, que acertou o lado, mas não impediu o gol: “Se ele não fizesse, talvez eu fosse sentir remorso por toda a minha vida”, diz, entre risadas, o ponta-esquerda santista. Mas, como o próprio Dalmo também disse ao Goal: “Eu tive a convicção de que iria me sair bem, pois eu era um jogador frio.”


O jogo continuou bem pegado, uma verdadeira batalha – como seria noticiado em jornais, inclusive da Itália, no dia seguinte. O Santos também ficou com um jogador a menos, quando Ismael foi expulso no final do primeiro tempo após lance ríspido com Amarildo. No final das contas, o time brasileiro segurou o resultado e conquistou um feito até então inédito: tornou-se o primeiro clube bicampeão mundial. A conquista ainda emociona santistas de todas as gerações e traz de volta aos torcedores do Milan um sentimento difícil de se esquecer para quem viveu tudo aquilo.


“Foi a minha grande decepção, pela maneira como perdemos. Não fomos inferiores em nenhum dos três jogos contra o Santos, e fomos prejudicados pelo juiz no último jogo”, diz Amarildo. Mas o feito santista é digno de todas as exaltações. Como Pepe, que ao lado de Dalmo foi um dos grandes heróis daquela conquista, disse: “Aquela foi a página mais épica da história do Santos”, uma história que nunca vai se apagar.