sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Mãos marcadas pelo crime ajudam a recriar a infância de Pelé


Dionata detento Pelé Três Corações especial (Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)Dionatã ajuda a reconstruir casa da infância de Pelé

(Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)


Dionatã Júnior Gouveia será pai no ano que vem. A mulher dele está grávida de três meses. Quando o bebê nascer, começará a ouvir histórias sobre Pelé, sobre uma casa, sobre jabuticabeiras. Dionatã se orgulha de ter ajudado a reconstruir o primeiro lar do maior jogador de futebol de todos os tempos, em Três Corações (MG). Quer relatar ao sangue de seu sangue, tintim por tintim, como foram os seis meses de trabalho lá. Afinal, é uma história bonita de se contar - bem mais bonita do que o crime de latrocínio (roubo seguido de homicídio) que lhe rendeu uma pena de 21 anos de prisão.


Ele foi um dos detentos designados para trabalhar na obra. Parte da construção da réplica da casa foi feita com mãos marcadas por um passado de crime. A presença deles é fruto de um projeto de reintegração social de membros da estrutura carcerária.


A construção durou mais de um ano. Dionatã ficou cinco meses lá. A jornada de trabalho diminui o período de condenação dos presos: para cada três dias de atividade, um a menos de pena. São selecionados aqueles de melhor comportamento, seja qual for o crime que tenham cometido. No caso específico da casa de Pelé, trata-se de um convênio entre a prefeitura de Três Corações e a penitenciária da cidade. O município ainda paga três quartos de um salário mínimo (cerca de R$ 470,00) aos integrantes do projeto.


Dionatã está em regime semiaberto. Dos 21 anos a que foi condenado, cumpriu aproximadamente seis. Ele aguarda a liberdade para o ano que vem. A redução na pena é consequência do bom comportamento na prisão e das jornadas de trabalho - incluindo aí a reconstrução da casa de Pelé.


No domingo, o Rei inaugurou a réplica da moradia onde passou a primeira parte de sua infância (veja no vídeo ao lado). Circulou pela grama que Dionatã ajudou a plantar, viu as parades que Dionatã ajudou a pintar. E se emocionou com as jabuticabeiras nas quais brincava quando criança - elas são sua única lembrança do período em que viveu em Três Corações.


As árvores estavam maltratadas. Dionatã foi um dos responsáveis por cuidar delas. A exemplo do que Pelé fazia nos anos 40, se pendurou nelas para colher jabuticabas. Nesta semana, viu pela TV as imagens do ex-jogador abraçado nas plantas. Ficou feliz.


- A natureza nos dá a vida. Aquela jabuticabeira me alimentou muitas vezes. Eu pensei: "Se ela dá a vida pra gente, vou dar a vida pra ela também" - diz o detento, de 31 anos, natural de São Gonçalo do Sapucaí, também em Minas Gerais.


Pelé três corações jabuticabeira (Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)Pelé nas jabuticabeiras, única lembrança da infância na casa (Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)


O programa priorizou detentos de Três Corações ou das proximidades. É o caso de Alessandro Dias Amancio, de 33 anos. Ele nasceu na mesma cidade de Pelé, na véspera de Natal de 1979. Está preso há quase quatro anos por tráfico - a exemplo de Dionatã, era primário. Deve ganhar as ruas definitivamente ainda em 2012, livre de dois anos de sua pena total.


Alessandro passou dois meses trabalhando na casa de Pelé. Cuidou mais da parte externa. Também se diz orgulhoso da participação no projeto.


- É bom, apesar de estarmos presos, ajudar como ajudamos. Seguimos em frente. É especial, pela importância que o Pelé tem, participarmos disso tudo - comenta Alessandro, pai de cinco filhos.


Os detentos passam por um processo de seleção interna antes de participar de atividades externas, como a construção da casa de Pelé. Eles deixam a penitenciária pela manhã e voltam à noite. Alguns deles, quando ganham liberdade, são contratados pela prefeitura. O projeto é realizado pelo presídio de Três Corações há cinco anos. Neste período, apenas dois presos fugiram ao ir trabalhar.


Pelé três corações casa (Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)Pelé na janela de casa em Três Corações

(Foto: Alexandre Alliatti/Globoesporte.com


De acordo com Leonardo Brocaneli Fagundes, diretor-geral da penitenciária, o programa é eficaz. Ele diz que são raros os casos de detentos que voltam ao mundo do crime depois de participar do projeto.


- O índice de reincidência é praticamente zero. Esses presos que foram selecionados já frequentaram atividade interna, um período de escola. Tiveram uma triagem. Não é qualquer um que sai. São os melhores que saem - comenta.


A casa de Pelé foi construída, originalmente, em 1910. Cinco anos depois, a família já morava em Bauru - o ano exato da saída de Três Corações é, até hoje, motivo de dúvidas na cidade. Com o tempo, a moradia foi destruída. Restavam as jabuticabeiras, que fizeram o ex-camisa 10 passar no meio de uma multidão para poder tocá-las novamente no último dia 23. Há cerca de sete décadas, quando era uma criança que mal sabia caminhar, ele subia na carroça do avô para poder alcançar as frutas.


Mais sobre a casa de Pelé


Neste domingo, o Esporte Espetacular, da TV Globo, apresenta uma reportagem sobre a relação de Pelé com sua casa de infância. No mesmo dia, o GLOBOESPORTE.COM conta mais um pouco da infância do Rei em Três Corações.