terça-feira, 18 de junho de 2013

Meu Jogo Inesquecível: Kiko torceu pelo Brasil do gramado na Copa de 70


A concentração por um clique, uma foto bem feita, um momento especial na vitória de um time campeão do mundo, disfarçava a torcida interna de um dos fotógrafos à beira do gramado do Estádio Azteca. Carlos Villagrán era apenas um dos profissionais de imprensa que trabalhava para o jornal “El Heraldo de México” e carregava, além da experiência de um trabalho nas Olimpíadas de 1968, a torcida pelo Brasil. À distância, já acompanhava os feitos de Pelé e companhia pelo mundo e, naquele dia, podia ver de perto o futebol praticado pelos brasileiros. Assim como outros tantos mexicanos dentre os mais de 100 mil torcedores, ele assumira torcida pela seleção verde e amarela daquele dia para o resto da vida.


O placar marcara 4 a 1. Carlos Alberto Torres levantava a taça, o Brasil se sagrava campeão pela terceira vez de uma Copa do Mundo e o ainda fotógrafo se emocionava. Ali, do gramado, via de perto seus ídolos e a realização do que um dia havia sido um sonho. De família paupérrima e criado na Cidade do México, Villagrán tinha sido mais um, como muitos meninos brasileiros e mexicanos, com o sonho de se tornar jogador de futebol. Nada de atuar, ser famoso por fazer graça ou programas de TV. Toda a vida até ali, tinha concentrado seu amor ao esporte jogado com os pés. Talvez por isso, a memória daquela partida continue intacta, mais de 40 anos depois.


Kiko Brasil Seleção Brasileira (Foto: Thiago Tavares)Carlos Villagrán recebe a camisa 10 do Brasil com o nome de seu personagem (Foto: Thiago Tavares)


- O primeiro gol de Pelé na final da Copa foi um gol de “saudação”. Quando ele cabeceia para o chão, faz aquele movimento para baixo, é como se tivesse prestado uma reverência ao público mexicano. Depois, a Itália empatou o jogo e se passou muito tempo, muitos minutos, até que o Brasil fizesse outro. Quando Gérson pega a bola, de fora da grande área, e de perna esquerda faz um gol daquele jeito... Não dá para esquecer – lembrou, o ator, hoje com 69 anos, emocionado.



Depois da agonia pelo gol que tardou de Gérson, o Brasil marcaria mais duas vezes, com Jairzinho e Carlos Alberto Torres, fechando o placar de 4 a 1. Ao erguer a taça, que seria a terceira da seleção em mundiais, o “Capita” pôde sentir o calor do povo mexicano. Segundo Villagrán, era como se o Brasil estivesse em casa. Da beira do gramado viu os mexicanos vibrarem com a seleção canarinho. E ele próprio também torcia. Tanto que guarda, na ponta da língua, a melhor equipe de futebol que diz já ter visto jogar.


- O México todo era o Brasil. Fazíamos a "hola", aquele monte de coisa. A gente gritava “Brasil, Brasil” nas arquibancadas. Foi como se fosse nosso. Minha paixão pelo futebol já tinha nascido e, ali, nasceu minha paixão pelo Brasil. Carlos Alberto, Hércules Brito, Clodoaldo, Everaldo, Tostão, Gérson, Rivelino, Jairzinho, Pelé. Lembro de todos os jogadores. Aquele time ganhou todas as partidas, sequer empatou uma. Ganhou todas – contou animado, esquecendo-se apenas de Félix e Piazza na formação brasileira.


Kiko especial (Foto: Thiago Quintella)Carlos Villagrán brinca ao interpretar seu personagem mais conhecido no Olímpico (Foto: Thiago Tavares)


Idolatria a Pelé, o "embaixador do futebol"


Também em 1970, nasceu um de seus filhos, Edson Carlos Arantes Villagrán do Nascimento Salinas Pelé. Na verdade, uma brincadeira do ator, que não consegue se segurar e faz piadas a todo momento. Ele não foi tão longe assim. Mas, de fato, homenageou dois de seus filhos com nomes de jogadores brasileiros: Edson, em referência ao camisa 10 da seleção, e Paulo Cézar, um tributo a PC Caju.


Pelo Rei do Futebol, Carlos Villagrán guarda uma idolatria especial e o elege como melhor jogador de todos os tempos. Antes da Copa do Mundo, no entanto, era difícil assistir uma partida completa do Brasil, que não eram transmitidas no México. Nos jornais, acompanhava através das reportagens os feitos de Pelé e do Santos, de quem todos falavam, segundo ele. Quando o viu em ação durante o Mundial de 70, virou fã e alimenta até hoje um desejo de conhecê-lo pessoalmente.



Quando morrer, quero que minhas cinzas sejam jogadas aqui, no Brasil"


Carlos Villagrán, ator



- Pelé foi um embaixador do futebol no mundo. Ele que levou o futebol para os Estados Unidos, por exemplo. Ninguém jogava futebol lá. Jogava-se baseball, basquete, futebol americano. E quando ele foi para lá começou a crescer o futebol. Ele foi um embaixador do futebol e era assim que o víamos – afirmou.


Se Pelé é o embaixador do futebol no mundo, Carlos Villagrán não fica para trás. Nomeado embaixador de Porto Alegre para a Copa do Mundo de 2014, o ator foi alvo de grande polêmica na cidade. Conhecido por interpretar o personagem Kiko, do seriado “Chaves”, foi contestada sua importância para a região e para o futebol brasileiro. Porém, o amor do humorista pelo Brasil, pela seleção canarinho e sua estreita relação com o futebol transcendem qualquer polêmica. Honrado com o título que recebeu fora de seu país natal, Villagrán criou um laço ainda mais forte com os brasileiros e fez uma promessa, para que esta ligação seja eterna: “Quando morrer, quero que minhas cinzas sejam jogadas aqui, no Brasil”.


No papel de embaixador, Villagrán é sincero. Como pano de fundo o estádio Olímpico Monumental, o ator se mostrou agradecido e honrado com a chance que recebeu da cidade de Porto Alegre. Além disso, demonstrou enorme satisfação ao saber que ele ele pode ter sido um dos últimos a pisar no gramado do estádio, de grande valor histórico para o Brasil e que, em breve, será demolido. Carlos admitiu que terá pouco a falar sobre o futebol brasileiro, conhecido no mundo todo. No entanto, como um amante do esporte e do país que o nomeou, diz que pretende agarrar a oportunidade para poder falar ainda mais sobre futebol e que estará na Copa do Mundo para torcer pela seleção. Não a mexicana.


Kiko Brasil Seleção Brasileira (Foto: Thiago Tavares)No Olímpico, Carlos Villagrán aproveitou para relembrar tempos de "peladeiro" (Foto: Thiago Tavares)


- Não tenho muito que falar do Brasil, porque o mundo todo conhece o Brasil, precisamente pelo futebol. O futebol é o alimento do povo. Eu vou fazer (esse papel) com muito prazer, vou dizer a todos que vou estar aqui, vou torcer pela seleção do Brasil, vou apoiar, vou dizer que estive em Porto Alegre. Quando tiver que falar em outro país, vou dizer que estou honrado. Mas, certamente, as pessoas vão me ouvir mais por ter sido nomeado embaixador do que por ter algo a falar a elas sobre o futebol brasileiro – admitiu.


Carlos Villagrán Kiko botafogo (Foto: Fábio Leme )No Rio, ator vestiu camisa do Botafogo e mostrou

conhecer o clube (Foto: Fábio Leme )


O conhecimento de Carlos Villagrán pelo futebol brasileiro vai além da nossa seleção. No Brasil, adotou o São Paulo como o time de sua torcida após assistir à vitória no Mundial de Clubes de 2005 sobre o Liverpool. Em sua última passagem pelo país, foi ao CT do Santos para conhecer Neymar, a quem admitiu ser um grande admirador. No Rio de Janeiro, o ator mostrou conhecimento da história do Botafogo em visita ao clube, onde recebeu uma camisa das mãos do garoto Vitinho. Quando foi homenageado na prefeitura de Porto Alegre, recebeu camisas de Grêmio e Internacional dos jogadores dos clubes.


A missão de levar o nome de Porto Alegre através do futebol o enche de orgulho. Afinal, o trabalho como artista lhe proporcionou, exatamente no ano que encerra sua carreira como ator, uma honraria relacionada ao esporte que mais ama pela primeira vez, mesmo fora do México. O fato de ser justamente no Brasil lhe fez ainda mais feliz.


- Muito da minha satisfação é porque sou um apaixonado por futebol e recebo a homenagem de um país que não é o meu. E um país que admiro muito, e admiro através do futebol, dos jogadores, de sua gente, e do programa que chegou aqui, o “Chaves” e meu personagem Kiko, que é admirado por tanta gente. Para mim é muito importante que tenha sido nomeado embaixador em Porto Alegre. Poderia ser São Paulo, ou outro lugar. É muito importante essa nomeação vinda de uma cidade brasileira – disse.


Kiko Brasil Seleção Brasileira (Foto: Thiago Tavares)Carlos Villagrán se divertiu ao vestir a camisa da Seleção no estádio Olímpico (Foto: Thiago Tavares)


“Eu acredito no Brasil. É uma fábrica de jogadores”


Fã confesso de Neymar e Messi , que recentemente se vestiram como Kiko para irem a festas, o ator mantém relação diária com futebol. Hoje, ainda vai aos estádios quando é convidado e assiste, com frequência, às partidas na TV. E é exatamente nos jogos que vê pelo televisor quando mais se diverte, encarnando um treinador de futebol. Levanta, pede para tocar a bola, virar o jogo, chutar a gol: “Só que eles não me escutam”, brinca.


Apesar da fantasia que cria em casa, Carlos Villagrán tem ideias para melhorar o futebol e a visão dos técnicos. Para ele, a tecnologia evoluiu com o tempo, mas as relações humanas no esporte são as mesmas.


- Eu penso que deveria ter um assistente técnico que visse o jogo na TV e separasse alguns lances para mostrar no intervalo ao técnico e aos jogadores. Assim, você teria duas visões totalmente diferentes. O panorama da câmera é completamente diferente. Não sei se ajudaria, mas são ideias. Através da tecnologia você poderia deixar de ter apenas dois olhos no jogo e teria quatro olhos. É assim que eu vejo o futebol – teorizou.


Kiko Brasil Seleção Brasileira (Foto: Thiago Tavares)O ator e humorista não escondeu a empolgação com o momento (Foto: Thiago Tavares)


Sobre o futebol mexicano, Carlos Villagrán mantém os laços com o Brasil e cita Zaguinho, que nasceu no México e era filho de Zague, ex-atacante do Corinthians, assim como Zinha, brasileiro naturalizado que atua pela seleção de seu país. O humorista enalteceu o atual momento da seleção que ganhou as Olimpíadas sobre o Brasil e não perdeu a oportunidade de alfinetar o técnico José Manuel de la Torre, que comanda a seleção nacional.


- A seleção mexicana é muito boa e pode desempenhar um bom papel. Eu penso que o treinador só pode ter um ás debaixo da manga. Ele tem um arsenal nas mãos, mas não vai soltar tudo agora. Ele engana o mundo. A equipe joga mal, ele coloca um time em campo que não é o principal, coloca jogadores em posições erradas. Eu fico me perguntando como ele coloca um jogador desse lado do campo se ele joga em outro? Ele só pode estar enganando como estratégia, para não deixar que os outros saibam como jogam – ironizou.


Kiko Brasil Seleção Brasileira (Foto: Thiago Tavares)Carlos Villagrán se divertiu jogando bola no estádio

Olímpico, em Porto Alegre (Foto: Thiago Tavares)


A seleção brasileira, no entanto, é sua favorita para ganhar a Copa do Mundo de 2014. Não por disputar a competição em casa, mas pela história do futebol pentacampeão. Com a ideia de que a convicção na vitória é o melhor caminho para se ter um time vencedor, ele pede que o Brasil “alimente o povo” com mais um título.


- O Brasil acostumou o mundo a jogar bonito. O Brasil foi o primeiro, com Garrincha, que começou a driblar. Ele tirava os jogadores do lance, sem tocar a bola ou tocar o outro jogador. O Brasil nos ensinou muitas coisas. É uma fábrica de fazer jogadores. Quando estão na barriga de suas mães, já chutam e praticam o futebol. Eu acredito no Brasil. A bola de futebol é o alimento do povo e uma parte do compromisso do seu país é que já nascem jogando futebol, como diz a camisa da seleção brasileira.


* Colaborou Mauricio Trilha, da TV RBS





















BRASIL 4 X 1 ITÁLIA
Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gerson, Jairzinho e Tostão; Pelé e RivelinoAlbertosi, Burgnich, Cera, Rosato, Fachetti - Bertini (Juliano), De Sisti, Mazzola (Rivera) - Domenghini, Boninsegna, Gigi Riva.
Técnico: ZagalloTécnico: Ferruccio Valcareggi
Gols: Pelé, aos 18, e Roberto Boninsegna, aos 37 minutos do primeiro tempo; Gérson, aos 21, Jairzinho, aos 26, e Carlos Alberto, aos 41 minutos do segundo tempo.
Data: 21/06/1970. Local: Estádio Azteca, Cidade do México. Competição: Copa do Mundo (final)

Árbitro: Rudy Glockner (Alemanha Oriental)

Público: 107.412 pagantes